A Precariedade da Representação Fiscal para Fins Penais

Valter de Souza Lobato Arnaldo Soares Miranda de Paiva  Pedro Henrique Silva Anselmo

INTRODUÇÃO

Os diferentes meios de cobrança à disposição das autoridades fazendárias em âmbito nacional evidenciam as dificuldades vivenciadas pelos fiscos das três esferas da Federação na obtenção do adimplemento de autuações lavradas a partir da constatação de descumprimento de obrigações tributárias pelos contribuintes. A esse respeito, podemos citar, de saída, os processos de execução fiscal, os protestos extrajudiciais, bem como as transações tributárias, aliados às medidas alternativas como a cautelar fiscal e os cadastrados desabonadores de crédito.

Entretanto, fato é que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro mecanismo de notável eficiência no que diz respeito à cobrança de créditos tributários. Dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça confirmam, inclusive, que os processos de execução fiscal representam aproximadamente 34% do estoque de ações judiciais em andamento em todo o País.

Tal quadro apenas contribui para a formação de sentimentos contrários aos contribuintes, que muitas vezes passam a ser considerados como devedores fraudulentos e que adotam estratégias com viés proposital de lesar o erário.

Inclusive, a esse respeito, deve-se registrar a existência de uma robusta doutrina sobre o tema do Planejamento Tributário, porém sem que se tenha efetivamente propostas claras de solução para as constantes disputas entre fisco e contribuintes. Há muito se discute quais seriam os limites do Planejamento Tributário, não somente em âmbito nacional, mas também mundial, porém sem que se tenha efetivamente estabelecido uma solução para a questão. De um lado, existem aqueles que defendem o direito à economia tributária como um direito constitucional, não podendo os Estados buscarem a tributação por analogias ou mesmo em situações em que se constata efetivas lacunas nas normas legais. De outro lado, têm-se os Estados na busca por uma ampla arrecadação tributária e que sustentam a impossibilidade de adoção de práticas elisivas ou mesmo com certo abuso de direito por parte dos contribuintes. A discussão atinente ao Planejamento Tributário está bastante sedimentada entre os citados polos da disputa, tendo inclusive sido objeto de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 2.446, oportunidade em que se confirmou que a norma constante do parágrafo único do art. 116 do CTN se volta à evasão fiscal, não podendo ser tratada como norma antielisiva. Ou seja, confirmou-se a possibilidade de o contribuinte buscar “(…) pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência esteja legalmente evitada”.

Entretanto, ainda assim, os contribuintes seguem convivendo com cenário de verdadeira pressão fiscal, no qual ainda que adotem condutas lícitas no sentido de obter economia tributária, ou mesmo interpretem determinada previsão legal de forma divergente ao fisco, acabam por se deparar com autuações lavradas com a pecha de condutas fraudulentas e dolosas, tão somente adotadas no intuito de lesar a fiscalização, sem mencionar o uso do Direito Penal como mecanismo de tornar a arrecadação mais eficiente.

É exatamente nesse contexto, em que partimos para a análise do atual procedimento de Representação Fiscal para Fins Penais utilizado usualmente pelos fiscos federal, estaduais e municipais para fins do apontamento acerca da existência de práticas criminosas vinculadas aos crimes contra a ordem tributária. Na teoria, trata-se de instrumento destinado tão somente a permitir a comunicação entre as autoridades fazendárias e o Ministério Público. Entretanto, na prática, acaba sendo usado como meio de forçar os contribuintes a adimplirem com os lançamentos tributários a ele vinculados, como clara sanção política e que, a depender do ente envolvido, ultrapassa inclusive os limites do sigilo fiscal, sendo divulgada publicamente — o que confirma sua utilização para além da finalidade inicial a que foi proposta.

Não obstante, é possível ainda apontar a necessidade de aprimoramento do atual procedimento de Representação Fiscal para Fins Penais existente, o qual não confere qualquer segurança jurídica para os contribuintes que se valem de seu direito de ação, levando discussões relativas a lançamentos tributários ao Judiciário — na medida em que não necessariamente o Ministério Público estará obrigado a aguardar o desfecho do processo judicial respectivo, ainda que o débito esteja devidamente garantido. Nesse contexto, é que se propõe uma reflexão sobre o tema.

Artigo publicado para o livro: Direito Penal Empresarial – 2024

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