Dever de fundamentação, coerência e integridade das decisões judiciais: uma análise do acórdão prolatado pelo stf no are 664.335

Valter Souza Lobato
Nayara Atayde Gonçalves

Resumo:
Busca-se analisar as premissas e efeitos do dever de fundamentação na prolação de decisões judiciais, sobretudo em matérias de cunho técnico-científico, estabelecendo-se os critérios necessários para que os Tribunais promovam a adequada fundamentação das decisões, visando garantir a estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência (art. 926 do CPC). Em especial, será analisado se o acórdão prolatado pelo STF nos autos do ARE 664.335 observou o princípio do dever de fundamentação ou se o precedente carece de superação.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 consagrou, em seu art. 93, inciso IX, o dever de fundamentação das decisões proferidas pelo Poder Judiciário, sob pena de nulidade. Entende-se por dever de fundamentar a exigência de que constem das decisões toda a ratio decidendi do Magistrado, valorando-se as provas e alegações trazidas pelas partes no curso do processo.

O Código de Processo Civil brasileiro, que entrou em vigor em março de 2016 (Lei 13.105/15), seguindo a lógica constitucional, em seu artigo 11, estabeleceu a necessidade de fundamentação de todas as decisões, estendendo sua regulamentação por todo o Código Processual (artigos 984, § 2º, 1.029, § 2º, 1.038, § 3º, e 1.043, § 5º). Por sua vez, o artigo 489, § 1º, do CPC/15 trouxe um compilado de hipóteses nas quais não se consideram devidamente fundamentadas as decisões judiciais.

Sobre o tema, Humberto Theodoro Júnior¹ enfatiza que a exigência de fundamentação das decisões consiste, a um só tempo, em um princípio constitucional, em dever do juiz, em direito individual da parte e em garantia da Administração Pública.

Por sua vez, o art. 926, caput, do CPC/15 ainda estabeleceu aos tribunais o dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente. Por meio de uma leitura sistemática do CPC/15, entende-se que esta determinação deve ser aplicada em todo e qualquer pronunciamento das cortes judiciais.

Portanto, há no Brasil um esforço legislativo em tornar as decisões judiciais bem fundamentadas, concisas, coerentes, de modo a garantir a integridade do sistema jurídico como um todo, o que é reforçado, justamente, pela aplicação do sistema de precedentes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, ainda que o arcabouço legal existente, sobretudo após a edição do CPC/15, traga aos jurisdicionados a garantia da devida fundamentação das decisões, na prática, os Tribunais vêm reiterando a jurisprudência vigente sob o Código anterior, dispensando a observância de critérios de fundamentação racional, sob a escusa de que o magistrado não estaria obrigado a rebater todos os argumentos suscitados pelas partes².

Em outras decisões, a devida fundamentação é ainda mitigada em nome da necessidade de celeridade processual e do grande volume de processos que tramitam no Tribunal.

Nesse contexto, considerando a necessidade de serem estabelecidas as balizas de justificação racional das decisões judiciais, sobretudo em relação aos pronunciamentos vinculantes dos Tribunais Superiores, o presente trabalho se propõe a analisar quais seriam esses critérios de modo a cumprir a exigência processual de estabelecer a estabilidade, coerência e integridade da jurisprudência.

Como recorte metodológico, o presente trabalho debruça-se na análise de recente julgado prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, sobre matéria previdenciária (direito à aposentadoria especial), cuja análise pelo STF possui viés técnico-científico (ARE nº 664.335³, julgado em 04.12.2014).

No referido processo, o STF fixou o entendimento de que, na hipótese de exposição do trabalhador ao agente ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

As implicações jurídicas da referida decisão vão muito além da simples concessão do direito à aposentadoria especial, na medida em que o teor da decisão alcança reflexos na seara dos direitos tributário e trabalhista, denotando a importância deste assunto como objeto de estudo pelos cientistas do direito.

Assim, o tema-problema sobre o qual se debruça o presente artigo consiste em averiguar se, no caso concreto supramencionado, os critérios de justificação racional utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para a prolação do teor decisório foram suficientes no sentido de conferir à matéria, de cunho técnico-científico, a interpretação jurídica mais adequada ou se, em razão de falhas no critério de justificação da decisão, o vício de fundamentação importa na necessidade de superação do precedente.

Artigo publicado para o livro: Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 7, n. 8, janeiro/junho, 2019, p. 188-211.

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